Jorge Mayet: É preciso sair da ilha para ver a ilha
qui., 27 de nov.
|São Paulo


Horário e local
27 de nov. de 2025, 18:00 – 12 de fev. de 2026, 18:00
São Paulo, Alameda Lorena, 1257 - casa 1 - Jardins, São Paulo - SP, 01424-001, Brasil
É preciso sair da ilha para ver a ilha
Olhar para longe para ver aquilo que está tão perto, ou sair da ilha para ver a ilha, a qual não veremos se não sairmos de nós — escreveu José Saramago em O conto da ilha desconhecida —, é a operação que muitas vezes Jorge Mayet evoca para desenvolver seus trabalhos.
Nascido e criado em Havana, o artista deixa Cuba logo após virar mestre em Artes Visuais pela Academia Nacional de Bellas Artes San Alejandro, em 1993. Depois de um ano e meio na Itália, ele segue para a ilha de Maiorca, Espanha, onde vive por 32 anos, mudando-se para o Rio de Janeiro em 2017, onde reside até hoje com sua família. Foi nesse processo de se tornar um artista imigrante que ele então conseguiu olhar com distanciamento para seu país de origem e transformar sua jornada em arte.
Neto de pintor, por parte materna, filho de mãe estilista de moda e de pai artista e subdiretor na mesma universidade em que ele concluiu seus estudos, foi em Cuba que Jorge Mayet iniciou seu repertório imagético, conceitual e técnico. Com uma herança artística passada de geração em geração, a excelência de sua prática é impressionante, a ponto de muitas vezes suscitar dúvidas se sua pintura é ou não uma fotografia. Além do inebriamento causado por seu rigor técnico, três signos visuais cubanos costumam estar presentes em sua produção: as árvores flamboyant e palmeira-real-de-cuba, a construção vernacular do bohío e a formação geológica de uma ilha oceânica.
Mesmo não sendo endógeno de Cuba, o flamboyant é uma árvore de Madagáscar que se adaptou bem ao clima tropical do Caribe, integrando-se à cultura local tanto quanto à nativa palmeira-real-de-cuba — esta última presente no escudo do país. Associado a uma perspectiva espiritual, com a vagem do flamboyant se faz um chocalho usado na santeria, religião afro-caribenha; sendo alguns espaços dedicados às cerimônias sob a sombra daquela árvore.
Contudo, a carga espiritual da obra de Jorge Mayet não se limita à representação do flamboyant, uma vez que é pela representação da natureza como um todo que o artista anuncia a presença divina por uma compreensão simbólica e sensível. Independentemente da religião de quem a aprecia, ainda que não tenha nenhuma, é pulsante o tema da natureza enquanto divindade responsável pela origem da vida, do mundo e de tudo aquilo que o homem cria e nomeia de cultura.
É nesse processo de conectar o cultural com o natural que a construção do bohío — casa típica das famílias cubanas camponesas, feita com palha — se apresenta em confluência com a própria paisagem da ilha e de seus habitantes. Cria-se então o bohío-pássaro, bohío-polvo, bohío-árvore, bohío-arraia, bohío-mar, bohío-raio, e assim por diante. Possibilidades infinitas dessa morada acompanhar Jorge Mayet em sua própria natureza, independentemente do local em que ele se encontra geograficamente.
Embora seja preciso sair da ilha para ver a ilha, isso não significa que ela saia de dentro de quem a vê. É nesse lugar poético e metafórico que a produção de Jorge Mayet pode ser lida como a materialização daquele que cria para ter um lugar no mundo, um pedaço de terra para germinar suas próprias raízes — nem que esse pedaço de terra seja a escultura ou a pintura de uma ilha. É no campo da arte que o artista cria suas raízes, flutuantes, livres e capazes de se adaptarem aos mais diversos contextos.
Paula Borghi





