Uma transa AntárticAmazônica
ter., 27 de mai.
|São Paulo
Jorge Bodanzky e João Paulo Barbosa


Horário e local
27 de mai. de 2025, 18:00 – 02 de ago. de 2025, 15:00
São Paulo, Alameda Lorena, 1257 - casa 1 - Jardins, São Paulo - SP, 01424-001, Brasil
Jorge e João, dois artistas, exploradores, ambientalistas e sobretudo, dois humanistas capazes como poucos, de denunciar o cataclismo de nossa civilização por meio de potentes imagens. Eles, que tão bem dominam a captura, o momento primoroso onde a luz beija objetos, a terra e os elementos, exibem na Casa Seva, vertigens e imagens cruas, evocando uma poética muitas vezes apocalíptica, outras, puramente existencial sobre quem somos em nosso tempo. O título dessa mostra poderia fazer referência apenas a uma das obras cinematográficas mais conhecidas de Bodanzky, mas aqui ele encontra, “transa”, outro mundo, o do fotógrafo e historiador João Paulo Barbosa. São muitos os locais e os caminhos que se entrelaçam na trajetória desses dois artistas, que nessa exposição, “cruzam” a Amazônia e a Antártica em um benevolente abraço. Afinal, são dois lugares que tanto significam e importam para eles, para todos nós. Nessa mostra, uma ponte mágica e também duramente realista se estabelece apresentando ao observador, 21 imagens fruto de décadas de trabalho, de horas de observação e contemplação sobre o verde tropical, sobre o branco glacial.
Aparentemente não existe no imaginário popular uma conexão entre lugares tão distantes, diferentes e complexos como uma floresta tropical e uma calota polar. A Amazônia e a Antártica, ambas são as maiores do mundo em sua natureza e importância, e por isso, tudo soa superlativo ao falarmos delas. Tão grandes são, que ingenuamente, muitos de nós acreditam que são indestrutíveis. Uma máxima do pensamento colonizador onde recursos naturais são considerados infinitos e aptos a ampla exploração, em nome do “bem-estar” de apenas alguns de nossa espécie.
Jorge e João, que tanto viram, que tanto já registraram. Ambos carregam em suas trajetórias o passar do tempo, das legislações, dos tratados internacionais e até dos regimes políticos que governaram nesses dois locais. Na Amazônia, Jorge Bodanzky pisou a primeira vez ainda durante a ditadura militar, lá procurou passar “invisível” para apresentar ao mundo através de seus filmes, um retrato da floresta tropical e seus habitantes nos anos de 1960.João Paulo, pisou na imensidão verde a 1ª vez em 1996. Lá voltou algumas vezes e fez expedições com povos indígenas aos icônicos Pico da Neblina e ao Monte Roraima. Historiador antártico, conhece como poucos as amplas mudanças sofridas pelo continente gelado do sul do mundo.
Ambos pisaram a primeira vez na Antártica a bordo do Kotik, um veleiro fabricado por um astrofísico da NASA, cheio de características que literalmente o tornaram “uma nave” valente que tanto já cruzou o temido estreito de Drake. Jorge foi ao continente gelado uma única vez em 1987, João, também inspirado no pioneirismo de Jorge, lá pisou a bordo do Kotik outras 9 vezes.
Por isso, essa mostra não exibe retratos jornalísticos e textos científicos como alguns podem supor, ela joga aos observadores a complexidade da crise climática que afeta esses locais usando o poder que arte tão bem tem de fazê-lo. Aqui a denúncia, acontece através de trabalhos artísticos que mostram aos visitantes, suas visões e percepções sobre Amazônia e Antártica, as formas de vida animal que as cercam, os seres humanos que lá vivem e os que as visitam. Convidam a refletir, sobretudo, sobre as profundas transformações naturais que tem modificado como nunca antes esses locais, um exemplo do muito que tem acontecido em outros ambientes de natureza vasta e intocada na Terra.
Fotografias, recortes de espaço, tempo, onde a luz e a matéria são distorcidas. Detalhes de gelo, cristais superdimensionados, grafismos azuis, fogo e ar, tudo isso convidam o observador a olhar para esses dois locais de uma forma pouco usual e sobretudo urgente.
Mas, não há aqui só ativismo, Jorge e João fazem provocação e poesia em meio ao precipício. Convidam o observador ao transe imagético, a olhar por uma lente por vezes liquida, afinal tudo parece mesmo estar se liquefazendo ao nosso redor.
De nada adiantarão as COPs, os discursos e os debates em bolhas, se como civilização não “transarmos” com os lugares de natureza que estão desaparecendo, que estão severamente ameaçados por nossa relação destrutiva e altamente predadora com o meio ambiente. Mas por hoje, celebremos a “fertilidade” que nutre os trabalhos desses dois artistas e que com suas imagens possamos “transar” com a maior urgência de nossa civilização, eis aqui “Uma Transa AntárticAmazônica”.
A problemática ambiental
Cada vez mais, evidências cientificas mostram a interligação entre ecossistemas e locais distantes. Comprovando que não existem “locais isolados” no planeta, que tudo está interligado pelas mesmas águas, a mesma atmosfera e sobretudo, pelos mesmos impactadores, nós os seres humanos, a autoproclamada espécie dominante. Esses estudos têm comprovado que metais pesados como chumbo, cádmio, mercúrio e POPs (poluentes orgânicos persistentes) tem viajado de lugares como o Brasil, através do ar para a Antártica. Até microplástico tem caído junto com a neve e se depositando sobre a grande capa de gelo. Que ao derreter a cada verão, leva aos oceanos uma enorme carga desses fragmentos, que tem contaminado os seres vivos a nível molecular. No Brasil, que é o 4º maior emissor mundial de CO², a quase totalidade dessa vergonhosa marca é atribuída ao desmatamento. É ele que libera “reteno”, um hidrocarboneto, um marcador de queima de biomassa (ou seja, de florestas). Esses poluentes também têm viajado até o continente gelado e se depositando sobre o gelo, ajudando a escurecer o grande manto branco, que junto com a poeira que sopra das áreas de montanha já expostas pelo degelo acelerado nas últimas décadas, tornam a calota polar escurecida. As partículas escuras ajudam a derreter ainda mais rápido o gelo, do que as partes brancas que conseguem refletir parte da radiação que recebem. Todo esse degelo tem elevado os níveis dos oceanos em todo mundo e feito enormes quantidades de água invadirem o delta de rios como o Amazonas, o maior rio da terra. O que no futuro próximo terá um impacto assustador nesse ecossistema que é também o maior reservatório continental mundial de carbono.
Thiago Cóstackz